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Singularidade de Tensão... o que Fazer? - Elementos Finitos

Postado em
1 de agosto de 2016

Singularidade de Tensão... o que Fazer?

Se você é um usuário da ferramenta de análise de elemento finitos, com certeza já deve ter se deparado com pontos de tensões elevadíssimos que não fazem o menor sentido para a análise que está sendo realizada.

Esses pontos de singularidade de tensão, como são chamados, podem ser decorrentes de força localizadas ou aplicadas em arestas, canto de peças em contato ou restrições, entre outros fatores gerando muito problema na análise dos resultados.

É importante não confundir a existência de concentração de tensão com singularidade de tensão! No final deste artigo, explicamos a diferença entre os dois conceitos.

Para ficar mais fácil o entendimento desse assunto, a discussão será em torno do eixo mostrado abaixo, que possui raios e chanfros de acabamento em sua condição original:

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Figura 1 - eixo considerando condição de fabricação com chanfros e raios

Para a simplificação da malha e utilização de menos elementos, os raios e chanfros são geralmente desconsiderados, etapa essa que consiste na preparação do modelo de elementos finitos.

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Figura 2 - raios e chanfros desconsiderados para a análise de elementos finitos

Considerando o engaste de um lado do eixo e a aplicando um torque no outro lado, pode-se notar que a máxima tensão de Von Mises está localizada no rebaixo do eixo, como mostra as imagens abaixo:

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Figura 3 - resultado da tensão de cisalhamento  com a malha de 8mm

Os pontos de singularidade de tensão podem ser notados, quando não existe convergência dos resultados diminuindo a malha, ou seja, por mais que a malha seja reduzida para elementos menores, os resultados de tensão aumentam tendendo ao infinito.

No exemplo do eixo, reduzimos a malha e anotamos os valores das tensões de Von Mises, como é mostrado na tabela abaixo:

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Figura 4 - resultado da tensão de cisalhamento para a malha de 4mm

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Como pode ser notado, os resultados de tensão só tendem a aumentar fazendo com que a peça muitas vezes seja reprovada por valores de tensão que na realidade não existem.

Primeiramente vamos entender porque esse problema acontece...

A análise de elementos finitos consiste na discretização do modelo em vários elementos e cálculo dos deslocamentos mediante as condições de contorno (restrição e força). A condição de remover o raio da ferramenta do eixo nesse caso, fez com que um canto vivo seja formado entre as duas paredes da peça, como mostra a imagem abaixo:

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Se tratando de um canto vivo, a área do elemento que se aproxima dessa aresta tende a 0 a medida em que ele é diminuído. Considerando que o valor da tensão é função da área, ou seja quando menor a área maior a tensão, esse valor tende ao infinito.

Como resolver pontos de singularidade de tensão?

  • Considerar a condição original (com o raio) para “remover” o canto vivo:

Utilizando a condição original do eixo, o “canto vivo” deixa de existir, fazendo com que as tensões mudem para um valor ideal.

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Figura 5 - malha de 8mm, considerando o fillet

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Figura 6 - tensão de cisalhamento com a malha de 8mm

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Figura 7 - malha de 4mm, considerando o fillet

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Figura 8 - tensão de cisalhamento com a malha de 4mm

A tabela abaixo mostra a redução da malha com os resultados da tensão de cisalhamento obtidos. Note que neste caso as tensões variam pouco entre uma iteração e outra, sendo que o desvio seja baixo também (abaixo de 6%).

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Neste caso, é fácil de perceber que os valores convergem para um resultado em comum, sendo que o desvio vai caindo à medida que a malha vai diminuindo.

Esses valores se aproximam muito do cálculo analítico que podem ser calculados pela equação:

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Aplicando o coeficiente de concentração encontrado em tabelas da literatura:

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O grande problema deste método é que considerar filets em muitos casos aumenta muito o número de elementos e deixa a análise demorada exigindo um gasto computacional grande. Para casos simples, como o exemplo desse artigo, esse gasto não é expressivo, porém considerando grandes montagens com contatos, não linearidades e análises dinâmicas, o tempo acaba sendo um parâmetro crucial para o analista.

 

  • Utilizar o princípio de St. Venant’s

 

O princípio de St Venant afirma que o efeito de uma descontinuidade local de tensão em um corpo não afeta a distribuição de tensão em uma certa distância a este ponto.

Em outras palavras, o princípio de St Venant permite que os pontos de singularidade de tensão sejam descartados, desde que a região de interesse esteja a uma certa distância desse ponto.

Vejamos um exemplo prático abaixo, de uma barra sendo tracionada considerando a aplicação da mesma força de 03 maneiras diferentes:

1ª Condição – força aplicada na área frontal da barra:

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Figura 9 – força aplicada em toda a área frontal da barra

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Figura 10 - tensão de Von Mises máxima igual a 22,3MPa (localizada no furo)

2ª Condição – força aplicada nas arestas frontais da barra;

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Figura 11 - força aplicada nas arestas frontais da barra

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Figura 12 - tensão máxima igual a 38,8MPa localizado na aresta (próximo a aplicação da força)

Apesar da tensão máxima estar localizada na aresta onde a força foi aplicada, o resultado próximo ao furo se manteve igual a condição 1 (22,3MPa).

Condição 03 – força aplicada em linha localizada no meio da face frontal

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Figura 13 - forças aplicadas na linha de divisão central

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Figura 14 - tensões máximas de Von Mises iguais a 115MPa

Apesar da tensão máxima estar localizada na aresta onde a força foi aplicada, o resultado próximo ao furo se manteve igual a condição 1 (22,3MPa).

Nos 03 casos mostrados acima da barra, a maneira de aplicar a força gera singularidades de tensão nas condições 02 e 03 próximas as regiões de aplicação das forças. Independente da maneira de aplicação da força, as tensões do furo permanecem iguais.

Não confunda singularidade de tensão com concentração de tensão.

Como foi visto no princípio de St. Venant, as singularidades de tensão podem ser desprezadas quando o interesse da análise é alguma região que está afastada desse ponto, considerando que existe uma tensão homogênea.

Porém é importante salientar que os concentradores de tensão são áreas importantes para serem consideradas nas análises, bem como os valores de tensão devem ser levados em consideração.

No exemplo do eixo que tratamos nesse artigo, pode-se dizer que sua geometria original possuía um concentrador de tensão devido a diferença de diâmetros do eixo, inclusive que pode ser acessado através de tabelas em livros de projetos de máquinas, e o fato de desconsiderar o raio do eixo fez com que essa concentrador de tensão se transformasse em um ponto de singularidade de tensão.

Portanto o analista deve ter experiência e embasamento técnico para verificar os locais de altas tensões, diferenciando os concentradores de singularidades de tensão.

Compartilhe esse artigo com seus colegas que são interessados no mundo de elementos finitos, e caso tenha alguma dúvida deixe seu comentário abaixo, que prontamente responderemos.

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15 comments on “Singularidade de Tensão... o que Fazer? - Elementos Finitos”

  1. Trabalho diariamente com simulações e achei muito boa essa explicação.

    Já tinha conhecimento, mas através desse artigo ficou bastante claro.

    Parabéns!

    Att.,

    Pedro

  2. Explicação simples, acessivel, e extremamente importante na compreensão e avaliação de resultados de simulsções porque as chamadas singularidades ocorrem com muita frequencia e a avaliação de sua importancia ou não no resultado de resistencia do elemento submetido ao metodo de avaliação, pode e geralmente gera dúvidas sobre o resultado do processo na medida que influencia o resultado do coeficiente de segurança.
    Sempre questionei estes resultados aos ministrantes de treinamentos de softwares de simulação e nem sempre as respostas convenceram, muitas vezes gerando mais dúvidas.

    Parabens

  3. Quanto na prática existe um canto vivo, como no caso deste eixo se ele tivesse um canto vivo e não um fillet, como proceder com a análise?? A tensão realmente tende ao infinito?? Nas tabelas de concentração de tensão, quanto menor o raio do fillet, maior a tensão. Será que existe um limite?

    1. Fernando,

      Na prática, não existe canto vivo perfeito. Ou seja, por mais “afiado” que seja o canto vivo, sempre vai existir um raio mínimo.
      Agora o que você deve pensar é que quanto menor esse raio, maior a tensão.

      A tensão nunca vai ser infinito por conta desse pequeno raio que existe na prática.

  4. Boa noite, estou trabalhando no Ansys com um bloco sobre duas estacas aplicando uma força na região superior deste na face de seu pilar, que tem uma região de contato com o bloco e este tem uma região de contato com as duas estacas na base. No entanto, mesmo utilizando o node merge group a força que esta sendo aplicada no pilar não está se distribuindo até as estacas com isso não esta formando as bielas de compressão (caminho da força do pilar até as estacas) e nem dando valores plausiveis de deslocamento. Você sabe me informar qual seria o problema e o que fazer?
    Desde já, muito obrigado!

    1. Bruno,

      Você pode tentar utilizar um contato "bonded" entre o bloco e as estacas.
      Qual tipo de elemento está utilizando? Me envie uma imagem do seu modelo, para eu entender qual tipo de elemento está utilizando, como também as condições de contorno que está considerando.

  5. Boa noite,

    Eu estou fazendo uma análise em elementos finitos de um eixo com rebaixo e rasgo de chaveta, para estudar efeito combinado dos dois concentradores de tensão. Em primeira análise, estuda-se o eixo em flexão pura e posteriormente em torção pura. Estou utilizando o ANSYS para fazer as simulações, e como saídas ele dispõe de "equivalent stress (Von Mises)", "normal stress" e "shear stress". Entretanto, apesar de os resultados para tensão de Von Mises serem conforme o esperado em casos de torção pura (distribuição radial) e flexao pura (distribuição simétrica em torno da linha neutra), os resultados para tensões normais e tensões cisalhantes não apresentam as distribuições esperadas. Você saberia dizer alguma possíveis causas ?

    1. Olá Pedro,

      Qual plotagem da tensão normal e cisalhante está utilizando? Qual a direção e plano?
      Você tem que analisar se as direções e planos analisados das tensões normais e cisalhantes estão corretas....esse erro não é para ocorrer.

  6. Boa noite, José.

    Tenho uma dúvida, simulei uma peça que está sujeita a apenas dois esforços, tração e cisalhamento e não consigo encontrar com os cálculos os valores apresentados pelo software (von mises) e ninguém consegue me explicar o caminho matemático para encontrar o valor próximo ao da simulação! Vc poderia me ajudar?! Obrigado

  7. Trabalho em um laboratório de controle de concreto dosado em central, e gostaria de aplicar o conhecimento aqui exposto ao concreto, como faço para ter acesso a software análise estrutural.

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